Friday, August 13, 2010

As falácias do mito do filho único

Por Maria Teresa Serman

A família deve ser uma escola de virtudes e hábitos saudáveis para o corpo e a alma de seus integrantes, assim como uma fonte inesgotável de bem para a sociedade. E como isso acontecerá plenamente, se a "turma" dispõe de um só "aluno"? Fica mais difícil formar e educar um filho só do que vários, pois a principal lição ele não poderá aprender na prática, desde cedo, com exercícios cotidianos - a repartir, não ser o centro das atenções, a não receber sem precisar dividir. Não é a mesma coisa compartilhar com os pais, estes, adultos, têm outros interesses e necessidades.

Há uma campanha bem atual, em que setores da mídia - revistas, emissoras de TV, jornais - estão firmemente engajados: fazer acreditar que o filho único é tão "normal" como outra criança que tenha irmãos. Partem de um falácia - que é uma mentira fantasiada de verdade, e por isso mais enganadora do que se fosse apresentada como é realmente: logro, falsidade. Tentam primeiro jogar a idéia preconceituosa de que o filho único é mimado, problemático, anti-social. Em seguida apresentam perfis de alguns exemplares da classe e depoimento de seus pais desmentindo enfaticamente essa inverdade. Porque nada mais é do isso - teoria espertamente produzida para provocar uma reação indignada.

Não há nenhuma análise séria, empiricamente comprovada e cientificamente embasada, de que filhos únicos apresentam tais desvios. O aspecto principal foi, como já disse, perversa e propositalmente esquecido. O filho único não é, por si só, nenhum desajustado, ou melhor, pode sê-lo como qualquer outra criança que tenha irmãos. O que se deseja enfatizar aqui é exatamente outro aspecto: que o ser humano aprende mais facilmente a compartilhar e conviver quando o faz com seus iguais - no caso, outras crianças a que está intimamente ligado em afeto e presença.

Primos, vizinhos, amigos não são a mesma coisa que irmãos. O perigo de mimar um filho pode existir em qualquer família, mas os pais correrão mais riscos quanto menos filhos tiverem, porque há uma tendência atual de pensar que a criança ou o adolescente deva ter acesso a todos os cursos, esportes e novidades tecnológicas, para que seja um adulto feliz. É só acompanhar o noticiário e observar ao redor com isenção que essa outra falácia se desmonta. E ninguém aqui desaprova uma educação de qualidade e o uso adequado da tecnologia.

"Quero dar o melhor que eu possa para o meu filho, e não posso fazê-lo se tiver mais um". Pobre reizinho assoberbado de atividades, sem outra criança a mão para brincar, e até brigar, o que é saudável. Será que as pessoas ainda não se deram conta de que "o melhor" não se resume e nem se fundamenta em coisas materiais?

Pra finalizar, devo abordar um aspecto mais sofrido, de que ao filho único cabe a missão solitária de cuidar dos pais idosos, muitas vezes doentes. Alega-se que não temos filhos para que cuidem de nós nessa fase, ou que alguns filhos não dividem com os outros esse encargo. Tudo isso é verdade, mas não completamente. Se um irmão não quiser repartir com você o lado mais pesado, paciência, quanto mais irmãos tiver, mais chances de conseguir um ombro amigo. É inevitável que os filhos se tornem pais de seus pais em uma fase da vida. Faz parte dos encargos do amor, por mais doloroso que pareça. E quem melhor do que filhos para zelarem por aqueles que lhes deram a vida?

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